Vampiros Na Literatura Quotes

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“Sendo superfície refletora da sociedade, a figura mítica do vampiro passa também a espelhar a construção das identidades contemporâneas no que estas se apresentam mais fluidas e interessadas em favorecer aditivas (um constante “sou isso ‘e’ isso”) em detrimento de alternativas (um binário “sou isso ‘ou’ isso”), assim como em verificar as coincidências de opostos ao invés de meramente polarizá-los. No que o vampiro finalmente sai das sombras para bradar sua natureza a plenos pulmões, assumindo o protagonismo de sua narrativa e passando a valorar-se por sistemas que não mais o confinam nos lugares fixos que previamente ocupara, ele continua abrindo caminhos para novas (re)interpretações, mantendo-se intrigante, relevante e revelador no que nos convida a partilhar de suas experiências
arrebatadoras à sombra do mal.”
Thiago Sardenberg, O VAMPIRO À SOMBRA DO MAL

“Uma visão de mundo calcada em meras polarizações binárias frequentemente pavimenta o caminho para perspectivas que simplesmente não abarcam realidades outras, tornando-se perigosamente conflituosas: a oposição entre o “Eu” e o “Outro” pode facilmente desdobrar-se em valorações como “civilizado” e “bárbaro”, “local” e “estrangeiro”, “virtuoso” e “monstruoso”, “bom” e “mau”
- desdobramentos esses que atravessam a figura do vampiro.
É necessário continuamente fomentar a discussão sobre a leviandade da aplicação desse tipo de oposição rigidamente binária para valorar e/ou definir indivíduos ou grupos. Enquanto falharmos em considerar que entre um ponto qualquer e outro há um continuum permeado por significativas variantes geográficas, temporais, socioculturais, políticas, religiosas e morais, que se aproximam, atraem-se e entrelaçam-se de diversas maneiras, estaremos em desserviço para com a complexidade da natureza humana.”
Thiago Sardenberg, O Vampiro à Sombra do Mal: A Fluidez do Lugar da Figura Mítica na Literatura

“Algo que não pode ser tão facilmente erradicado é, talvez, o maior dos medos vitorianos: o de que ao procurar pelo reflexo do vampiro, esse Outro, no espelho, irás encontrá-lo rastejando dentro de ti.”
Thiago Sardenberg, O Vampiro à Sombra do Mal: A Fluidez do Lugar da Figura Mítica na Literatura

“Em sua busca por uma ressignificação do mal fora do Cristianismo, Lestat não tenta, entretanto, posicionar-se como sendo necessariamente o oposto dele. Afinal, como afirma Rice, ainda que Lestat “seja um símbolo de formas de liberdade e domínio, eu nunca perco de vista o mal que tem em si”. Esse mal em si, todavia, não o limita ou tampouco o define; ele é reconhecido, aceito e passa a integrar um mosaico complexo que compõe a identidade em transfiguração do “vampiro deste tempo”.”
Thiago Sardenberg

“Disposto a morrer para ter sua história contada e sua natureza reconhecida, Lestat, como “vampiro deste tempo” que é, dialoga com a atitude dos novos tempos para os quais acordou, em que o Outro é menos excluído por sua diferença que, na verdade, celebrado por ela.”
Thiago Sardenberg, O VAMPIRO À SOMBRA DO MAL

“De um lado, temos a figura do vampiro pré-riceano como a própria personificação de um Outro que é estrangeiro, alheio à nós, aos nossos costumes e valores e que, consequentemente, era construído como perigoso, antagônico, maléfico. Do outro, temos Lestat, que já se viu nesses mesmos lugares e obstinou-se a reconstruir-se para além deles.”
Thiago Sardenberg, O Vampiro à Sombra do Mal: A Fluidez do Lugar da Figura Mítica na Literatura

“Enquanto Stoker via seus vampiros como manifestações do proibido e do profano, Rice explorou-os como formas de lidar com sua realidade, com conflitos que lhes eram particulares; ela, que sempre se viu refletida na figura do outsider, sentiu-se confortável ao lidar com figuras que tentavam encontrar um significado para si fora da normatividade. Louis e Lestat, tão diferentes, carregam em si um pouco do fantasma da culpa católica e do desejo por ruptura e liberdade – sentimentos conflituosos, mas presentes simultaneamente em Rice.”
Thiago Sardenberg, O Vampiro à Sombra do Mal: A Fluidez do Lugar da Figura Mítica na Literatura

“Para um indivíduo em 2020, todavia, o vislumbre de uma pandemia como essa era fundamentalmente de ordem estética, experienciado com o distanciamento seguro oferecido pela arte — que não deixou de povoar o imaginário das últimas décadas com toda sorte de desastres biológicos e epidêmicos, não raramente fabricando cenários de epidemias vampirescas.
Certamente, nosso olhar para essas narrativas ganha complexidade no que atravessamos coletivamente o momento de crise. Uma questão, porém, inevitavelmente se assoma: do que nos fala essa — nada sutil — insistência?”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Tanto na arte como no real, a negação parece funcionar como desesperada, ainda que ineficaz, estratégia de tentar dissimular força e estabilidade, postergando até o último momento possível, inevitável, o enfrentamento real e direto da ameaça. Muitas vezes, porém, nesse ponto, as ações de contenção já não são eficazes ou suficientes.
Aos olhos dessas figuras, agências ou instituições governamentais que insistentemente negam ou relativizam as evidências empíricas e/ou científicas, sua admissão pública e transparente parece significar também uma aceitação de submissão à ameaça, um dobrar de joelhos metafórico que simultaneamente veicularia vulnerabilidade — não só à ameaça, como também aos olhos de todos os que de fora veem.
Agem como se a negação contínua da realidade fosse, em si, força suficiente capaz de deter o curso de eventos que independem totalmente de seu poder ou vontade.
Pergunto-vos: quando é?”
Thiago Sardenberg

“Na era da (des)informação e da globalização, espalhando-se em progressão geométrica tal como o compartilhamento instantâneo das notícias falsas em um mundo intrinsecamente conectado, os próprios patógenos podem percorrer, em poucas horas, o globo; já não mais se deslocam lentamente, pegando carona com os passageiros de caravelas ou caravanas, meses a viajar por mares, rios ou estradas.
As pandemias do século 21 — reais e ficcionais— são intrinsecamente subjugadas ao lado perverso da era da internet e dos aviões a jato.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Tal como a pandemia da covid-19, em sua lúgubre asserção das fragilidades e incertezas que nos cercam, essas narrativas vampirescas com viés epidêmico-apocalíptico convidam reflexões acerca do papel da humanidade na construção desses cruéis cenários de desastre; inevitavelmente, rumamos a um futuro pelo qual teremos de nos responsabilizar.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Resta o entendimento de que o contato com o vampiro potencialmente acarreta um contaminar-se por perniciosa moléstia simultaneamente do corpo e da alma: o contágio não é apenas uma infecção, é também maldição, um contrair impurezas.
Essa construção perpassa até mesmo o nível linguístico; entre as acepções etimológicas comumente atribuídas ao vocábulo “nosferatu”, que Stoker apenas popularizou ao se referir ao seu vampiro icônico, estariam “o impuro”, ou também, “aquele que carrega doenças”.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Se pensarmos na Europa Oriental e na Ocidental como corpos-organismos distintos, o Deméter poderia ser então o vetor que carrega o patógeno-vampiro e o introduz no corpo deste novo hospedeiro suscetível, sem qualquer imunidade.
Nem mesmo o vetor, entretanto, resiste à virulência do patógeno; ele próprio sucumbe à doença que inocularia, funcionando também como uma espécie de microcosmo do que poderia vir a acontecer caso o vampiro obtivesse sucesso em sua replicação: um cenário de desastre apocalíptico.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Se o corpo físico do vampiro pode ter sido extirpado, ele mantém-se presente e vivo em sua inoculação da realização vívida de que suas fantasias fazem parte de nós, residindo como um vírus latente, incurável, que apenas aguarda uma baixa de imunidade para que possa reemergir.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“A condição do vampirismo, pensada alegoricamente como doença infecciosa, seria de fato uma calamidade pública: tem alta infectividade, pois o contato direto com o vampiro é extremamente bem-sucedido em produzir novos vampiros, caso as vítimas venham a óbito; alta patogenicidade, pois sempre produz sintomas graves e sinais da doença, tais como os experienciados por Danny Glick; e alta virulência, sendo sua taxa de letalidade extremamente elevada.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Matheson instituía assim uma espécie de distopia vampiresca — sua obra servindo, inclusive, como modelo para muitos cenários de “apocalipse zumbi” que surgiriam na segunda metade do século 20, como o clássico A Noite dos Mortos-vivos (1968) de George A. Romero —, fazendo uso desse modo narrativo que se apropria de tensões do presente para imaginar os mais variados cenários de desastre alternativos ou futuros, bem como da figura do vampiro como agente propagador de doenças, o veículo para o apocalipse.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Em Drácula, o vampiro, personificação da perversidade e do mal, era repelido pelo símbolo religioso em si, que se tornava uma arma que emanava poder; em ‘Salem, o símbolo somente tinha poder na medida em que a pessoa que o empunhasse houvesse nele depositado uma fé inabalável; já em Eu Sou a Lenda, por outro lado, não importava a fé de quem empunhava o símbolo, e sim, o entendimento do vampiro de seu lugar perante a ele.
Entende-se, portanto — embora a narrativa não aprofunde o tema —, que cruzes ou hóstias não teriam qualquer tipo de efeito sobre vampiros que haviam sido ateus, por exemplo. A internalização do ódio parecia residir no âmago do processo.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Quammem afirma que vírus transmitidos pelo sangue precisam, em geral, de um vetor - frequentemente um inseto hematófago; aqui, uma capillaria — que deve “chegar em busca de uma refeição”: fica estabelecida uma intencionalidade.
Tal como o inseto, o próprio verme é atraído pelo sangue humano, ampliando assim as condições possíveis de transmissão da síndrome vampiresca. Os resultados desse quadro de alta transmissibilidade e infectividade são imediatos, logo começando a ser sentidos sob a superfície da cidade.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“A primeira parte do plano, já posta em movimento, fazia do corpo do vampiro uma arma de guerra, de destruição em massa, funcionando como engenhosa forma de bioterrorismo capaz de converter o “inimigo” em “aliado”, simultaneamente espalhando o medo na medida em que se propaga.
Cria-se, assim, um verdadeiro exército de corpos infectados, inteiramente subjugados à vontade totalitária do Mestre. O plano previa, em um segundo momento, “uma fórmula para a matemática do poder. O perfeito equilíbrio
entre vampiros, gado e guardas”.
A nova sociedade, dominada pela classe vampiresca, instaurar-se-ia com a consciência de que os recursos naturais disponíveis são esgotáveis, e para que ela fosse sustentável, a praga não poderia espalhar-se descontroladamente.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Impregnadas nas diferentes ameaças epidêmicas impostas pelos vampiros, estão inquietações que perpassam esse olhar crítico para as escolhas que nós, humanos, estamos continuamente fazendo. Se o vampiro ficcional, esse monstro que tanto nos revela e adverte sobre nós mesmos, insiste de maneira tão enfática no viés pandêmico-apocalíptico na contemporaneidade, talvez seja pelo inconveniente fato de que se torna cada vez mais evidente que “o surto mais grave no planeta Terra é o da espécie Homo sapiens” e que, caso continuemos a fazer as mesmas escolhas equivocadas, teremos que lidar com a o fato de que “eis a verdade em relação aos surtos: eles acabam”.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Narrativas como Apocalipse V e The Passage evidenciam o papel da humanidade na perturbação e desintegração de ecossistemas, fatores que acabam por favorecer a criação de cenários pandêmicos, no que somos expostos a novos patógenos que se encontravam placidamente contidos, e que podem ser responsáveis pela emergência (ou reemergência) de doenças infecciosas potencialmente perigosas.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas

“Nas artes, afinal, o vampirismo é como que endêmico — os surtos que retratam aparecem e então se tornam latentes por tempo indeterminado; quando os esquecemos ou julgamos tê-los superado, eis que reaparecem, seus monstros-vampiros funcionando como personificações de uma nova “variante” bem preparada para desarmar as defesas que construímos.”
Thiago Sardenberg, À Noite não Restariam Rosas: A Ameaça Epidêmica em Narrativas Vampirescas